No Brasil, a situação não é diferente. De acordo com dados da pesquisa Vigitel Brasil 2016 da Saúde Suplementar, mais de 50% da população adulta está acima do peso, na faixa de excesso de peso e obesidade. Com o intuito de analisar a questão sob o ponto de vista das possibilidades de ação no setor da saúde privada, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) elaborou o “Manual de Diretrizes para o Enfrentamento da Obesidade na Saúde Suplementar Brasileira”.


O estudo está sendo lançado nesta quinta-feira (14/12) durante o “Seminário de Enfrentamento da Obesidade e Excesso de Peso na Saúde Suplementar”, no Rio de Janeiro, para 100 representantes de entidades de saúde, operadoras e prestadores de serviços. É fruto do trabalho do Grupo Multidisciplinar para Enfrentamento da Obesidade, criado pela ANS com o objetivo de promover melhorias e incentivos na atenção à saúde relacionada à prevenção e ao combate da obesidade entre beneficiários de planos de saúde.


“A ANS entende a discussão do tema como urgente e necessária à sustentabilidade da saúde suplementar, uma vez que o excesso de peso e a obesidade constituem o segundo fator de risco mais importante para a carga global de doenças, e estão associados a várias doenças crônicas não transmissíveis, como doenças cardiovasculares, diabetes, cirrose, câncer de cólon, de reto e de mama, entre outras. O objetivo do Manual é compor uma orientação criteriosa, na qual as operadoras de planos de saúde possam se basear para a melhoria da qualidade de vida de seus beneficiários. Daqui em diante nós teremos uma série de encontros com as operadoras para que se possa definir em conjunto como será feita a adesão à proposta junto à rede de prestadores”, explica Karla Coelho, diretora de Normas e Habilitação dos Produtos da ANS.


No âmbito de suas competências, a ANS tem buscado, ao longo dos anos, estimular as operadoras a repensarem a organização das suas redes de atenção, no intuito de rediscutir as formas usuais de organização dos serviços de saúde, tendo por objetivo: o monitoramento dos fatores de risco, o gerenciamento de doenças crônicas, a compressão da morbidade e diminuição dos anos de vida perdidos por incapacidades. O enfrentamento da obesidade, enquanto resultado de uma complexa combinação de fatores biológicos, comportamentais, socioculturais, ambientais e econômicos, representa um grande desafio para o setor.


“Sabe-se que a obesidade é uma doença multifatorial, recidivante e muitas vezes silenciosa, e se não prevenida e cuidada corretamente, tem um impacto devastador na vida do indivíduo, bem como na economia do país. Sua prevenção e tratamento requer uma abordagem multiprofissional e transdisciplinar, envolvendo diversos setores da sociedade”, afirma a gerente de Monitoramento Assistencial da ANS, Katia Audi.


Segundo dados da pesquisa Vigitel Brasil 2016 da Saúde Suplementar, a proporção de beneficiários adultos de planos de saúde com excesso de peso vem aumentando desde 2008, quando foi realizado o primeiro levantamento, passando de 46,5% para 53,7%. O mesmo ocorre com a proporção de obesos, que aumentou de 12,5% para 17,7%. É importante ressaltar que, no Brasil, apenas 10% dos pacientes com obesidade são diagnosticados, e porcentagem inferior a 2% dos mesmos recebem tratamento para obesidade.


Confira aqui a íntegra do manual.


Abordagem na infância e adolescência


Segundo dados da Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), quatro em cada cinco crianças obesas permanecerão obesas quando adultas. Os períodos mais críticos para o desenvolvimento da obesidade são: fase intrauterina, os primeiros dois anos de vida e a adolescência.


Os fatores de risco para desenvolvimento de obesidade na infância são: prematuridade, bebês pequenos para idade gestacional (PIG), bebês grandes para idade gestacional (GIG), filhos de mães diabéticas, pais obesos, interrupção precoce do aleitamento materno e introdução inadequada da alimentação complementar, com oferta de alimentos ricos em gorduras e açúcares e o uso de leite de vaca antes de um ano de idade.


Além dos determinantes biológicos, o Manual reforça que a forte influência do ambiente no desenvolvimento da obesidade infantil também deve ser considerada, e medidas que incidam no ambiente alimentar devem ser desenvolvidas e apoiadas. O estudo também destaca que os profissionais de saúde, em especial o pediatra, devem estar atentos aos fatores de risco e monitorar o crescimento e desenvolvimento destas crianças, orientando os pais quanto a alimentação saudável, controle do tempo de tela a que crianças e adolescentes estão submetidos e prática de atividade física.


“A obesidade é atualmente a doença pediátrica mais comum. A prevenção é a única maneira de deter o avanço desta epidemia e todos os setores da sociedade – escolas, governo, sociedades científicas, indústrias alimentícias e mídia – devem se envolver com este propósito”, lembra a diretora Karla Coelho.


Estratégias para a prevenção da obesidade infanto-juvenil:



  • Desenvolvimento de ações educativas de promoção da alimentação saudável desde o pré-natal;

  • Promoção do aleitamento materno;

  • Introdução adequada de alimentação complementar, de acordo com as recomendações técnicas;

  • Estímulo ao conhecimento sobre a importância da atividade física e práticas corporais no desenvolvimento da criança e do adolescente;

  • Promoção de atividades físicas lúdicas e recreativas;

  • Observação do comportamento sedentário;

  • Promoção adequada de horas de sono;

  • Controle do tempo de tela a que crianças e adolescentes estão submetidos (TV, tablet, celular e jogos eletrônicos);

  • Identificação dos pacientes de risco.


Abordagem em adultos


O Manual recomenda que o cálculo do Índice de Massa Corporal (IMC) seja realizado para todos os pacientes com menos de 60 anos que procuram a rede prestadora de serviços ambulatorial e hospitalar. A captação deste dado de saúde irá permitir o direcionamento para estratégias de prevenção e tratamento precoce, reduzindo a morbimortalidade do indivíduo e custos no sistema de saúde. As condutas a serem adotadas com os pacientes após a estratificação realizada com base no cálculo do IMC podem ser resumidas em duas abordagens a serem trabalhadas: adoção de hábitos de vida saudáveis, com base na alimentação adequada, e prática de atividade física; e tratamento clínico da obesidade, podendo incluir a adoção de medicamentos e, em casos específicos, a realização de cirurgia bariátrica.


Recomendações para a adoção de hábitos de vida saudáveis: 



  • Manter uma alimentação saudável, baseada nos dez passos para uma alimentação adequada, sistematizados pelo Guia Alimentar da População Brasileira (Ministério da Saúde, 2014);

  • Fazer de alimentos in natura ou minimamente processados a base da alimentação;

  • Evitar o consumo de alimentos ultraprocessados – salsichas, linguiças, salames e presuntos, entre outros – e de alimentos preparados em frituras de imersão (batata frita, salgados);

  • Utilizar óleos, gorduras, sal e açúcar em pequenas quantidades ao temperar e cozinhar alimentos e evitar caldos industrializados;

  • Reduzir a ingestão de açúcar, gordura saturada e sal;

  • Aumentar o consumo de frutas, verduras e legumes;

  • Aumentar a prática de atividades físicas.


Abordagem clínica da obesidade


O Manual preconiza como abordagem clínica do tratamento da obesidade a adoção de estilo de vida com hábitos saudáveis em conjunto com a adoção de medicamentos, quando necessário; e, nos casos de perda de peso insuficiente e de pouca melhoria no quadro das comorbidades, a realização do tratamento cirúrgico.


O objetivo do tratamento com medicamentos é a perda de 10% do peso corporal, o que determina melhora das complicações da obesidade, como diabetes e hipertensão arterial. Atualmente, quatro medicamentos são registrados para o tratamento da obesidade pela Agência de Vigilância Sanitária – Anvisa, e são utilizados de acordo com diretrizes clínicas específicas.


Tratamento cirúrgico


A cirurgia bariátrica é indicada para pacientes obesos que não apresentaram resposta ao tratamento clínico com medicamentos e mudanças de estilo de vida. A realização da cirurgia determina perda de peso de 20% a 35% do peso inicial após dois ou três anos do procedimento, o que está associado a melhora de complicações da obesidade, como diabetes tipo 2 e câncer, além de aumentar o tempo e a qualidade de vida dos pacientes.


A recomendação de cirurgia bariátrica na saúde suplementar deve seguir a diretriz de utilização, conforme estabelecido no Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde da ANS, que prevê a cobertura obrigatória por planos de segmentação hospitalar (com ou sem obstetrícia) e por planos-referência. As diretrizes de utilização adotadas pela ANS indicam as características e as condições de saúde nas quais os ganhos e os resultados clínicos decorrentes da cirurgia são, de fato, relevantes para os pacientes, segundo a literatura científica e os conceitos de Avaliação de Tecnologias em Saúde.


O Manual detalha os critérios para a indicação da cirurgia e a recomendação de procedimentos pré e pós-operatórios, bem como as contraindicações. “Apresentamos os aspectos fundamentais na abordagem da equipe multidisciplinar de cirurgia bariátrica, como a importância do acompanhamento médico e nutricional pelo resto da vida e a implementação de mudanças de estilo de vida que incluam a prática de atividade física e dieta equilibrada. Os pacientes que serão submetidos ao procedimento devem receber informações realistas quanto às necessidades no pós-operatório, uma vez que a cirurgia não é a cura para a obesidade, mas um tratamento que ajuda no seu controle”, explica a diretora Karla Coelho.


Sobre o Grupo Multidisciplinar para Enfrentamento da Obesidade


Composto por pesquisadores, técnicos da ANS e representantes de entidades da área da saúde, o Grupo realizou diversas reuniões ao longo de 2017 no esforço conjunto de sistematizar diretrizes pautadas em estudos científicos, publicados no Brasil e no exterior, que apontem para a integração entre procedimentos de prevenção e cuidado da obesidade.


Participam do Grupo: 



  • Organização Pan-americana de Saúde – OPAS

  • Ministério da Saúde

  • Instituto Nacional do Câncer – INCA

  • Faculdade de Ciências Médicas da Universidade do Estado do Rio de Janeiro – UERJ

  • Sociedade Brasileira de Pediatria – SBP

  • Conselho Federal de Nutrição – CFN

  • Centro de Estudos do Laboratório de Aptidão Física de São Caetano do Sul

  • SESI

  • Site Panelinha

  • Serviço Social do Comércio – SESC

  • Serviço Social do Comércio de São Paulo – SESC SP

  • Conselho Federal de Educação Física – CONFEF

  • Endocrinology and Sports Medicine

  • Federação Brasileira de Ginecologia e Obstetrícia – Febrasgo

  • Conselho Federal de Odontologia – CFO

  • Associação Brasileira para o Estudo da Obesidade e da Síndrome Metabólica

  • Associação Brasileira de Stress

  • Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia.